Porto Alegre já sente saudades da Copa do Mundo. Nossa cidade – pobre em turismo – virou de ponta cabeça nos cinco dias em que recebeu jogos da competição. Alemães, americanos, australianos, argelinos, franceses e mais um punhado de nacionalidades. Conforme dados da Secretaria Estadual do Turismo, 350 mil turistas estiveram em Porto Alegre. Desses, 90 mil argentinos. A capital gaúcha presenciou uma invasão que dificilmente se repetirá.
Podemos, enfim, ver de muito perto como os argentinos são malucos por futebol. Tratam o esporte como uma religião. O estádio é uma espécie de igreja. O Messias é Messi. Deus é Maradona. E o papa, literalmente, é um argentino que atende por Francisco.
Era só reunir meia dúzia de hermanos que a festa estava pronta. Bandeiras, trapos e uma das mãos balançando para o alto. Cantos e mais cantos, até que surgia a canção feita especialmente para o Mundial, que diz que “Maradona é maior que Pelé”.
O aeroporto Salgado Filho foi a porta de entrada e saída de muitos argentinos. E foi lá que conheci figuras incríveis. Na véspera do jogo entre Nigéria e Argentina, ainda a caminho do aeroporto, conheci no trem os amigos Alexis Segovia, Leandro Garcia, Martin Bastos e Matias Pardo. Todos de Buenos Aires. Vieram do Rio de Janeiro, cidade que estava “mucho loca”, segundo eles. Desses, só Garcia tinha ingresso para o jogo. Os outros três iriam para a Fan Fest. Sem hotel ou hostel, iam ficar numa casa na Avenida Teresópolis, onde outros hermanos estavam alojados, “perto de um mercado Nacional”.
Perguntavam sobre Grêmio, Inter, sobre o argentino D’Alessandro. Pediam que eu apontasse num mapa que carregavam em mãos onde ficava a Cidade Baixa, o bairro festeiro de Porto Alegre. No ponto óbvio, disseram que “las chicas brasileñas son buenissimas”. Me despedi com um abraço caloroso de todos (achei que só brasileiros faziam isso) e segui para o novo terminal do Salgado Filho. Eles foram para o terminal antigo, pois suas malas estavam em armários do mesmo.
No dia do último jogo da Copa em Porto Alegre, 30 de junho, eu estava a procura de argelinos para uma matéria. Acabei topando com dois argentinos: o corretor de imóveis Ruben Vieyra, 60 anos, e o empresário Alejandro Mauas, 34. Estavam a caminho de São Paulo para acompanhar no dia seguinte Argentina x Suíça no Itaquerão. Cheguei até eles para perguntar se tinham visto algum argelino. Não tinham visto. E uma pergunta acabou virando uma conversa de mais de meia hora.
Vieyra me disse que estava em sua quarta Copa do Mundo. Foi aos Estados Unidos em 1994, Alemanha em 2006, África do Sul em 2010 e agora no Brasil. Em 1994, viu a final entre Brasil e Itália. Não torceu contra o Brasil. “Na verdade eu queria que nenhum dos dois ganhassem”, explica, gargalhando. Para ele – e para os argentinos – foi um mundial triste, pois Maradona foi pego no antidopping e a Argentina não chegou a finalíssima (depois de duas finais consecutivas: 1986 e 1990). Para ele, o melhor jogo que assistiu em copas foi a goleada da Argentina sobre a Sérvia e Montenegro, em 2006: 6×0. “Foi uma grande festa. Parecia que estávamos jogando em casa”, relembra.
Para a Copa de 2014, se queixa de apenas uma dificuldade. “Essa foi a Copa mais difícil de conseguir ingressos. Muitos argentinos acabaram vindo para cá”, me conta. Ele viu os três jogos da fase de grupos, estava indo para o jogo das oitavas e, enquanto conversávamos, comprou – com algumas notas de dólar – um ingresso de quartas-de-final do conterrâneo Mauas.
Alejandro Mauas veio ao Brasil para sua primeira Copa. Comprou ingresso para todos os jogos, exceto semifinal. Comprou inclusive para a disputa de 3º lugar. “Se a Argentina perder nas semifinais, vou na disputa do 3º lugar. Se for para a final, vou na final”, explica o torcedor confiante.
Ambos respiram futebol desde a infância, talvez isso explique um pouco essa paixão argentina. Vieyra torce para o Racing. Mauas, para o River Plate. O mais velho disse que seu pai não era fanático – e aprendeu a gostar de futebol por causa de um primo, que o levava aos jogos. Acompanha o time onde quer que ele vá, mesmo que o Racing não ganhe títulos de expressão há um bom tempo. Mauas foi levado pela primeira vez ao Monumental de Núñez (estádio do River) quando era criança de colo, menos de três meses de vida. “Meu pai me ensinou a paixão pelo futebol”, conta. Todo domingo ele, o pai, os tios, os dois filhos e outros familiares (um total de 14) vão ao Monumental. “Meus filhos também vão desde pequenos. No estádio há um setor com cadeiras para crianças, para que eles já gostem de ir ao estádio desde cedo”, me conta.
O relógio marca 11h e eles se despedem – também com um abraço caloroso. Pegariam o avião para São Paulo às 11h55min. Ao sair, pergunto sobre a final da Copa. “Brasil e Argentina, claro”, dizem os dois. Falo que será 3×0. “Para quem?”, me questiona Vieyra. “Isso eu não sei”, respondo. Eles ficam rindo e saem em direção ao embarque.
*por Adriano Pinzon Garcia – Programa Jovens Jornalistas