ABEAR e JOTA promovem debate sobre judicialização no setor aéreo

A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) e o JOTA, portal de jornalismo e informações especializado no Judiciário, promoveram hoje (25) um webinar sobre a judicialização no setor aéreo, com participações de representantes do Poder Público, juristas e dirigentes das associadas ABEAR. Foram realizados dois painéis, cujos destaques você pode ler mais abaixo. O presidente da associação, Eduardo Sanovicz, abriu o evento destacando temas da Agenda ABEAR 2021.

“A ABEAR já está indo para o seu 10º ano de atividades e sua agenda é bastante conhecida. Há alguns temas que são bastante relevantes para o consumidor, com destaque para o nosso programa de trabalho para que o custo do querosene de aviação (QAV) no Brasil seja alinhado ao do mercado internacional. Temos a aviação regional, depois um conjunto de ações que auxilia a retomada da demanda, que está vinculada ao crescimento da vacinação. Há uma questão vital que é o desalinhamento entre o nosso ambiente jurídico e o que os nossos concorrentes navegam no exterior. Há uma série de fatos que só acontecem no Brasil que não tem paralelo internacional, como a responsabilização do setor aéreo por fatos gerados pelo clima. Essas distorções acabam no fim do dia penalizando o passageiro”, afirmou Sanovicz.

Painel 1- A alta demanda ao Judiciário e seus reflexos em diversos setores da economia e na aviação comercial

O painel 1 contou com as participações de Juliana Domingues, Secretária Nacional do Consumidor (Senacon), Henrique Ávila, advogado e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Bruno Bartijotto, diretor jurídico da LATAM Brasil. Foi mediado pelo analista-chefe do JOTA, Fábio Zambeli, que fez uma pergunta inicial a todos os participantes: “É possível um trabalho colaborativo entre Poder Público, Judiciário e iniciativa privada no sentido de reduzir a demanda judicial nas relações de consumo do setor aéreo?”. Abaixo, um resumo do que disseram os palestrantes.

Juliana Domingues (Senacon)

“A harmonização dessas relações é muito importante. Quando tivemos o primeiro impacto da pandemia no setor, obviamente o que vimos era algo que não poderia ser projetado ou esperado pelos principais atores da aviação civil. Registramos uma redução de 94% da malha aérea brasileira e isso afetou diretamente todas as relações de consumo já programadas, o andamento do que seria esperado para esse setor”

“Foi nesse momento que houve uma aproximação da Senacon com a ABEAR no sentido de tentar construir um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) algum instrumento que possibilitasse a marcação das passagens para que o consumidor tivesse resguardado seus direitos, mas que ao mesmo tempo as empresas tivessem um período de planejamento para conseguir atender aquelas demandas que já existiam no pré-pandemia, os contratos já firmados. Quando o TAC foi assinado, tivemos uma queda abrupta das reclamações, pois possibilitou que mais de 3 milhões de consumidores usufruíssem dos benefícios concedidos”

“Defender o consumidor não significa apenas a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, mas uma política pública de defesa do consumidor eficiente e que ao mesmo tempo garanta seus direitos e também tem que garantir a oferta de produtos. Naquele momento, ser radical a ponto de desconsiderar que as empresas estavam passando por uma fragilidade inesperada seria o mesmo que eliminá-las do mercado”

Henrique Ávila (advogado, ex-conselheiro CNJ)

“Algo está errado. Como presidente da Comissão de Acesso à Justiça do CNJ até a semana passada, eu vi que o acesso à Justiça no Brasil é muito desregulado. É preciso que racionalizemos o acesso, há uma distorção. A lei dos juizados especiais, a lei da ação civil pública, que trouxe a tutela coletiva, e a nossa estrutura de gratuidade da Justiça nos traz a percepção de que é muito fácil litigar no Brasil. Temos 80 milhões de ações no Judiciário brasileiro, um recorde mundial”

“De tempos para cá, é preciso dizer que o acesso à Justiça sempre foi legislativamente tratado com muito populismo, porque trazer o cidadão para a Justiça em algum momento fez muito sucesso de votos no âmbito eleitoral. É preciso que avaliemos a consequência disso”

Bruno Bartijotto (diretor jurídico da LATAM Brasil)

“O setor aéreo é no Brasil uma referência mundial em vários aspectos, na idade da frota, em pontualidade e extravio e bagagens. São pontos importantes para celebrar, mas, apesar disso, o que estamos experimentando é um crescimento exponencial da judicialização no setor. Entre 2019 e 2018 houve um crescimento de 142% na quantidade de processos no mercado doméstico”

“Racionalização é importante. Há estados com condenações de R$ 3 mil a R$ 4 mil e outros estados com até R$ 12 mil. No fim, isso traz para nós um desafio muito grande de como racionalizar e gerenciar esse contencioso”

“O grande desafio que temos é fazer com que informações que existem sobre a legislação aplicável (Lei 14.034, Código Brasileiro de Aeronáutica e Convenção de Montreal) seja melhor distribuída e não seja tão ignorada como é hoje”

Painel 2 – Caminhos para minimizar os impactos no Judiciário por intermédio da regulamentação na aviação comercial

O painel 2 teve a participação do Secretário de Aviação Civil, Ronei Glanzmann, do diretor da ANAC, Ricardo Catanant, e da diretora jurídica da GOL, Carla Coelho. Abaixo, um resumo do que disseram os participantes.

Ronei Glanzmann (SAC)

“Focamos todos os nossos esforços na redução de preços do setor, aumentando a oferta e o acesso a esse mercado. O governo federal tem uma agenda extensa: não há mais restrição de acesso ao capital estrangeiro e de infraestrutura, mas ainda temos algumas restrições por meio dos custos, que no Brasil são muito altos. Na nossa política pública, vemos três pontos importantes: o combustível de aviação, um dos mais caros do mundo, a questão tributária e a judicialização”

“Estivemos em Dublin (Irlanda), conversando com um fundo que investe no setor aéreo, com 11 companhias aéreas. Um investidor falou bem do país, que é competitivo, tem um bom mercado a ser explorado, mas ele não conseguia entender por que no Brasil há juízes dentro dos aeroportos”

“A judicialização é uma barreira à entrada de novas empresas, é uma própria barreira às empresas que já operam. A gente precisa aproveitar este momento, de aumento de demanda nos próximos meses e anos, para discutir este tema. Temos que enfrentar”

Ricardo Catanant (diretor da ANAC)

“Uma companhia aérea argentina, em apenas três meses de operação no Brasil, estava chocada que neste período eles já contavam com mais ações judiciais, com poucos voos semanais no Brasil, do que em toda a sua operação no mercado argentino”

“Temos um problema grave (judicialização), que não onera somente o setor, o governo, mas sim os passageiros. Precisamos de uma universalização, com uma regulação alinhada aos mercados internacionais”

“Há um esforço da ANAC, CNJ e SAC para realizar uma série de conversas para discutir o que é possível se fazer para reduzir custos, seguir as convenções internacionais”

Carla Coelho (diretora jurídica da GOL)

“O Consumidor.gov foi um trabalho excepcional que foi trazido como a grande fortaleza para que se enderece as relações de consumo nas tratativas de reclamações. A companhia aérea não prefere ser ineficiente, isso é uma distorção de início. Se algo aconteceu de errado a companhia está disposta e tem seus canais apropriados para tratar dessas questões. O Judiciário não é a porta de entrada”

“O que é preciso criar é o equilíbrio das relações. Para isso, a ANAC tem as suas resoluções e as companhias cumprem suas obrigações. E dentro desse equilíbrio, a gente vem buscando o que mais se quer, o cliente satisfeito, uma companhia eficiente, com seus canais de atendimento ao consumidor. E na eventualidade de um exaurimento ou impossibilidade de resolução,  vamos entender o que aconteceu e remediar isso para que o cliente retorne”

“Estamos buscando ao longo dos anos o amadurecimento das relações, dos argumentos, das propostas e alternativas cabíveis. Promovemos ao longo do tempo trazer os efeitos dessa dicotomia entre aplicação de leis e o próprio Judiciário”

Veja o que disseram os CEOs das associadas

Os CEOs das associadas ABEAR, Paulo Kakinoff (GOL), Jerome Cadier (LATAM Brasil) e Eduardo Busch (VOEPASS) abriram o evento por meio de depoimentos gravados. Abaixo um resumo do que disseram.

Paulo Kakinoff, presidente da GOL

“Iniciativas como essa são essenciais para que possamos, por meio do diálogo, encontrar soluções para enfrentarmos esse cenário tão desafiador no qual nos encontramos. Ainda que a situação esteja menos drástica do que em 2020, infelizmente nos vemos diante dos mesmos desafios do ano passado, sem sinais de melhoria no curto prazo. Temos certeza de que esse fórum é indispensável para atuarmos de forma mais sinérgica e eficiente no endereçamento dos desafios que se apresentam a todos nós neste momento”.

Jerome Cadier, CEO da LATAM Brasil

“O tema da Judicialização é fundamental para o desenvolvimento do setor e do país. Num país como o Brasil, viajar não é um luxo, é uma necessidade. Apesar disso, os brasileiros viajam pouco, metade do que viaja um chileno ou um quinto de americanos e europeus. Por quê? Viajar no Brasil ainda é caro e um dos principais custos relacionados à operação aérea é a judicialização das disputas entre passageiros e companhias. Em 2019, isso representou um custo de R$ 250 milhões para a LATAM Brasil, ou 97% dos custos do grupo, apesar de o Brasil ser metade da operação global. Precisamos reduzir esse custo para voltar a crescer”.

Eduardo Busch (VOEPASS)

“Entendemos que o transporte aéreo é uma ferramenta de infraestrutura básica para o desenvolvimento regional. A gente vê alguns níveis de judicialização de temas referentes a atraso de voos sendo usado de forma exacerbada, desvirtuando o mecanismo de indenização, que acabou virando uma commodity dentro de um processo de aplicativos e de mercantilização. Acredito que esse evento é de altíssimo nível, onde teremos oportunidade de debater de forma consistente medidas para mitigar esse tipo de conduta que acaba onerando todo o sistema e os passageiros”

Acesse a íntegra do webinar

Acesse todas as notícias