Quem é quem? Conheça os inúmeros responsáveis para que cada voo seja possível

Quem embarca num voo em um lugar e desembarca um par de horas depois em uma cidade bem distante pode se enganar pela aparente simplicidade. Viajar de avião já virou algo tão corriqueiro que perdemos a noção do tamanho dessa façanha. Será que tudo depende da companhia aérea vender um bilhete e realizar o transporte? A maioria das pessoas sequer imagina a quantidade de esforços sincronizados envolvidos, muitos imperceptíveis ou realizados nos bastidores. A aviação comercial é extremamente complexa. Para garantir máxima segurança e agilidade, tudo precisa ser bem planejado e executado. Cada envolvido precisa estar no lugar certo, entrar em ação no momento exato. É um gigantesco trabalho em equipe.

As aeronaves

Vamos começar pelos aviões. São maravilhas tecnológicas, resultados de anos de projeto e da integração de milhares de peças e sistemas. Precisam ser confiáveis, eficientes e adequados para transportar gente em quantidade suficiente para cobrir custos que são elevadíssimos (desafiar a gravidade tem seu preço!).

Conceber e construir uma aeronave é tão caro e complicado que existem poucos fabricantes, por isso basicamente os mesmos modelos são usados em todo o planeta. As companhias aéreas que os operam fazem apenas algumas adaptações no interior e no visual. Mas essa padronização garante que pilotos, sistemas e infraestruturas sejam compatíveis ao redor do mundo.

Verdadeira rede global

Em qualquer lugar do mundo, para que os voos possam acontecer, antes de tudo é preciso haver regras comuns quanto à linguagem a ser usada, sobre como devem se desenrolar as operações e os negócios do transporte aéreo comercial, entre outros aspectos. Nessa escala global atua a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), que é um braço da Organização das Nações Unidas.

Autoridade no Brasil

Cada país tem uma autoridade nacional de aviação civil que trabalha pela adequação aos parâmetros globais. Também pode contar com um órgão regulador econômico especializado, como o Brasil. A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), autarquia ligada ao Ministério da Infraestrutura, exerce esses dois papéis por aqui.

Ela elabora normas, certifica e fiscaliza empresas, oficinas, escolas, profissionais da aviação, aeroportos. Faz a representação do país na comunidade internacional de aviação. Também equilibra a relação de direitos e deveres entre passageiros e companhias na prestação do serviço e estimula a concorrência no mercado. Nesse sentido, a ANAC não atua como defensora de direitos de consumidores ou empresas, mas procura ajustar regras que favoreçam o desenvolvimento do transporte aéreo com segurança e sustentabilidade econômica, em qualidade e quantidade para a sociedade.

Outras legislações de natureza civil, trabalhista, tributária e normas específicas também se aplicam. E logicamente incluindo todas as modalidades de voos e equipamentos, como a aviação militar, experimental, privada, táxis-aéreos, helicópteros, balões etc. Tudo isso faz com que o setor seja ultrarregulado e que cada um dos entes disciplinados atenda estritamente aos parâmetros definidos.

Órgãos militares e a navegação aérea

Já em relação à gestão e organização operacional, há funções desempenhadas por entidades ligadas à Aeronáutica e ao Ministério da Defesa, mesmo em se tratando de aviação civil comercial.

É o caso do Departamento de Controle do Espaço Aéreo, o DECEA, e suas diversas unidades. Entre estas missões está o desenho das aerovias – grosso modo, estradas invisíveis no céu, sobrepostas em diferentes altitudes (níveis de voo), pelas quais os aviões devem trafegar. A definição de uma aerovia tradicionalmente leva em consideração a geografia do trajeto, a demanda de movimentos na rota e a disponibilidade de auxílios à navegação.

Por muito tempo as aerovias usadas pela aviação comercial brasileira não eram tão diretas por causa da dependência de tais auxílios instalados em solo, o que forçava a um ziguezague para acompanhá-los. Com a evolução tecnológica, para maior eficiência e sustentabilidade, a maioria dos voos comerciais no Brasil, entretanto, já migrou para a navegação baseada em satélite (conhecida pela sigla PBN, ou Performance Based Navigation).

As aerovias e demais informações pertinentes aos voos são registradas em mapas, cartas de aproximação e decolagem e manuais publicados pelo Instituto de Cartografia da Aeronáutica, ICA, seguindo padrões internacionais.

Sob DECEA estão também as telecomunicações, as informações meteorológicas e aeronáuticas. Isso inclui, por exemplo, manter pilotos e demais agentes, no Brasil e no exterior, informados sobre obras ou problemas em aeroportos, dificuldades envolvendo equipamentos ou auxílios à navegação, entre outros temas que possam afetar os voos. A ideia aqui é evitar surpresas, afinal diferente de um carro, não dá para reduzir a velocidade e encostar um avião no acostamento.

O Centro de Gerenciamento da Navegação Aérea, CGNA, por sua vez, faz o balanceamento entre a capacidade dos aeroportos e do sistema de controle do espaço aéreo brasileiro e a demanda por voos. Atualmente as decisões do CGNA, que acontecem 24h por dia, são tomadas de forma colaborativa, envolvendo companhias aéreas, administradores de aeroportos e ANAC.

Os quatro Centros Integrados de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo, CINDACTAs, espalhados pelo país, e o Serviço Regional de Proteção ao Voo, focado no eixo Rio-São Paulo, vigiam e controlam a circulação das aeronaves pelo espaço aéreo usando radares, radiotransmissores e satélites. Ou seja, acompanham quem está em rota, se afastando ou se aproximando dos aeroportos. Eles fornecem informações aos pilotos e garantem que os aviões tenham uma separação horizontal e vertical segura.

O Grupamento Especial de Inspeção de Voo, o GEIV, checa constantemente os equipamentos de auxílio à navegação aérea, aproximação e pouso, além dos procedimentos envolvidos. Esses são recursos importantíssimos, seja com tempo claro, em condições de voo visual, ou durante o voo por instrumentos, como os noturnos e em condições de mau tempo.

No aeroporto

Chegando a questões um pouco mais familiares, uma das partes bem visíveis da aviação é o aeroporto. É onde acontecem as ações de solo. No Brasil, todos os aeroportos utilizados pela aviação comercial são públicos, podendo ser administrados por entes privados, sob concessão, ou pela Infraero, que é uma estatal federal, além de estados ou municípios.

Às pessoas em geral, os aeroportos oferecem estruturas e prestam serviços, como estacionamentos de automóveis, operação dos raios-x e detectores de metais, painéis de informação, sistemas de avisos sonoros, esteiras de bagagem, ar condicionado, banheiros, escadas rolantes, pontes de embarque, ônibus etc.

Como clientes corporativos dos aeroportos, pagando tarifas para ocupar espaços, existem diversas organizações que atendem aos seus próprios públicos, entre elas as companhias aéreas. Ao todo, podem ser milhares de funcionários trabalhando num aeroporto grande que opera 24h por dia. Uma verdadeira cidade.

Um aeroporto tem algumas partes principais. Vamos comentar do ponto de vista do transporte de pessoas, mas vale lembrar que muitos aeroportos podem estruturas específicas de cargas, de aviação executiva e táxis-aéreos igualmente complexas e com características próprias.

No terminal de passageiros, em espaço público de livre circulação, ficam comércios, bancos, casas de câmbio, ambulatórios e alguns escritórios de órgãos públicos. Ali também ficam lojas de passagens e os balcões de check-in, disponibilizados pelo aeroporto para as companhias receberem os viajantes, confirmarem voos e despacharem bagagens. Uma vez despachadas, as malas começam um trajeto diferente dos de seus proprietários. Em um terminal moderno, essa movimentação é bastante automatizada. Em qualquer caso, há envolvimento de equipamentos e trabalhadores do aeroporto, além da companhia aérea e prestadores.

Nos bastidores do terminal ficam diversos espaços operacionais e administrativos. Estão ali estruturas próprias do aeroporto, como o centro de controle, de onde são gerenciadas posições de estacionamento das aeronaves e portões de embarque, esteiras de bagagens e fluxo de filas. Estas ações são muito importantes para o próprio cumprimento dos horários dos voos, tanto que há estudos que avaliam índice de pontualidade de cada companhia e também do aeroporto. Nessa região há também salas usadas pelos funcionários e tripulantes das companhias e órgãos públicos.

Quando chegam ou partem, os passageiros atravessam áreas reservadas do terminal, onde apresentam documentos, fazem inspeções e acessam os portões de embarque/desembarque. Diversos atores são envolvidos nessas atividades.

Fiscalização, controle e security 

Nas viagens internacionais, em particular, a Polícia Federal realiza o controle de imigração (entrada, permanência e saída de estrangeiros e brasileiros no território nacional), faz inspeções pessoais e a checagem de bagagens de mão. De forma mais ampla, estas fiscalizações da PF incluem tripulantes e até mesmo prestadores de serviço que não vão viajar, mas terão acesso a áreas restritas e às próprias aeronaves. O órgão atua no combate e prevenção a crimes, como tráfico de drogas, de armas, de pessoas, terrorismo, contrabando, falsificação, interceptação de procurados, entre outros, o que pode abranger toda a área do aeroporto, indo além do próprio terminal.

Em inglês, estas atividades são referidas como security, cuja tradução específica é “segurança contra atos ilícitos”.

Frequentemente em cooperação com a PF, a Receita Federal exerce a função de controle aduaneiro, monitorando a entrada e saída de bens e produtos, sejam bagagens ou cargas, para fins de tributação (importação/exportação) ou caracterização de prática ilícita.

PF e RF costumam também trabalhar nos aeroportos em parceria com entes como ANVISA, VIGIAGRO e Ministério do Meio Ambiente/IBAMA na fiscalização de transportes de animais domésticos, itens e alimentos de origem animal ou vegetal, agrotóxicos, tráfico de animais silvestres e insetos, entrada e saída de medicamentos, produtos médicos ou materiais biológicos, entre outros.

Aeronave no solo

Além do terminal, outra parte importante de um aeroporto é o pátio. É para onde os aviões são direcionados para estacionamento e atracamento após o pouso, no caso do uso de uma ponte de embarque, para receber ou deixar passageiro e bagagens, abastecimento, limpeza e realização de inspeções simples e pequenos serviços. Quando o movimento é intenso ou em aeroportos mais simples, os aviões podem ser direcionados para desembarque e serviços em uma área remota. Nos voos internacionais, estes processos são realizados com alguma tranquilidade. Mas no caso de voos domésticos, em que o tempo de solo entre um pouso e uma decolagem é bem curto, as ações têm que ser realizadas muito velozmente. Quem realiza essas tarefas são funcionários das companhias ou prestadores de serviços especializados (funcionários das Esatas, ou empresas de serviços auxiliares ao transporte aéreo).

O pátio inclui áreas de permanência dos aviões, hangares, garagens de veículos de apoio, oficinas de manutenção e testes, fornecedores de comida de bordo, postos de combustível, armazéns de carga e o setor resposta à emergências, que inclui bombeiros e veículos especiais do aeroporto. A torre de controle frequentemente também fica nessa área para permitir uma visão ampla de aviões, veículos e agentes em circulação.

Para completar, há a parte de pista, o que engloba pistas de pouso e decolagem propriamente ditas, áreas de manobra e pistas de taxiamento.

Importante saber também que todo o entorno de um aeroporto (até um raio de 20km) está sob a responsabilidade de autoridades públicas, como polícia e prefeitura, para evitar, por exemplo, a instalação de lixões e outros focos de atração de animais terrestres e pássaros, que trazem riscos às operações, e coibir a soltura de balões, igualmente perigosos.

Controle de voo e auxílios

Quando olhamos ações que envolvem o voo, ou seja, que estão na transição da terra para o ar e depois exclusivamente no ar, mais engrenagens se conectam e dependem umas das outras. Na torre de controle do aeroporto, comunicando-se com os pilotos, controladores sequenciam e acompanham aeronaves em partida, desde o pátio até a pista de decolagem e depois na fase inicial do voo (mais ou menos até onde dá para ter contato visual). Eles também coordenam o processo inverso: os aviões em fase final de aproximação para pouso e depois da pista até o estacionamento.

Nessas etapas, auxílios oferecidos por cada aeródromo têm papel fundamental. Há sistemas que permitem pousos e decolagens com baixa visibilidade, à noite ou com mau tempo. O ILS, instrument landing system (sistema de pouso por instrumentos), é o mais famoso. Existem também os sistemas de balizamento, que incluem luzes nas pistas e outras orientações visuais. Esses sistema e equipamentos pertencem aos aeroportos, mas são periodicamente aferidos pelo GEIV, mencionado anteriormente.

Na prática, quando voa entre dois aeroportos de movimento intenso, desde que pede a autorização de partida à torre até que receba a liberação para aterrisagem no aeródromo de destino, um comandante pode ter que se comunicar com até uma dúzia de pessoas. A responsabilidade pelo controle do voo vai sendo transmitida da torre do local de partida para outros órgãos do DECEA mencionados anteriormente, para depois ser devolvida à torre do local de chegada.

Mas, e as companhias aéreas?

Antes, uma curiosidade: no Brasil o transporte aéreo doméstico regular com venda de passagens (linhas aéreas de passageiros) é de natureza pública. Quer dizer, o Estado, detentor da infraestrutura aeroportuária e aeronáutica, também considera que realizar o transporte de massa com aviões seria naturalmente uma função pública.

Essa visão vem desde os primórdios da organização da atividade no Brasil, no início do século XX. Ainda que isso persista em nossas leis, o Poder Público sempre concedeu a operação a particulares. Assim, todas as companhias brasileiras existentes hoje são privadas e operam mediante concessão do governo.

Para obter uma concessão, é preciso comprovar à ANAC capacidade técnica e operacional. Companhias estrangeiras, para operar voos internacionais regulares envolvendo o Brasil, seguem outro rito (autorização).

Uma empresa, muitas tarefas

Dentro de uma única empresa aérea existem muitos departamentos. Há áreas meio e áreas fim. Ou seja, há diversas atividades que não tem nada a ver com o voo em si, mas que são indispensáveis para cumprir a missão principal da companhia.

Estamos falando de diversas ações e processos de ordem administrativa, tais como recursos humanos, relacionamento com clientes, financeiro, jurídico, comercial, comunicação, marketing, publicidade, relações institucionais, tecnologia da informação, planejamento, compras etc, etc. As possibilidades são muitas e os nomes variam de empresa para empresa.

Colocando os voos no ar

Além destas, há obviamente os departamentos técnicos, mais diretamente ligados à operação em si. Nesse caso são áreas dedicadas à segurança operacional (em inglês: safety), manutenção, gestão de frota, treinamento de tripulantes. Completando então nossa visão geral dos múltiplos atores envolvidos com a realização de um voo, no coração de uma empresa, na área técnica, funcionando 24h por dia, está o centro de controle operacional.

O centro de controle operacional, frequentemente chamado de CCO, é um grande integrador de processos. Faz funcionarem juntas todas as áreas, dedicando-se tanto a tarefas em tempo real, urgentes, quanto a atividades de planejamento.

A coordenação de voos concilia a frota da empresa com a malha que foi planejada para cumprir a operação. Define e acompanha o “trilho” de todas as aeronaves ao longo de um dia, quer dizer, todos os trechos que cada avião faz pelo país ou exterior. Numa empresa grande, diariamente são centenas de trilhos relacionados a possivelmente milhares de voos.

A coordenação gerencia manutenções previstas, inesperadas, acompanha contingências meteorológicas, monitora o tempo que cada aeronave permanece em solo entre um pouso e a decolagem seguinte. Define se é inevitável cancelar um voo, como acomodar passageiros impactados ou se é possível lidar com a questão com os recursos (aviões e profissionais) disponíveis.

A equipe de escala, por sua vez, gerencia os tripulantes, que podem ser pilotos ou comissários. Por lei, estes profissionais têm jornadas muito bem definidas, com cargas diárias, mensais, semanais e anuais que não podem ser ultrapassadas. É preciso comunicar a estes funcionários quando as escalas são determinadas, bem como manter outros em sobreaviso caso precisem entrar em atuação. Os aviadores, por exemplo, são habilitados para comandar modelos específicos de aeronaves (ainda que possam estar habilitados para voar mais de um modelo).

Como a meteorologia é imprevisível com grande antecedência, e os tripulantes são humanos, sujeitos a problemas de saúde, gerenciar os recursos humanos necessários para realizar voos que ligam localidades muito distantes, atendendo estritamente a parâmetros regulatórios, é um desafio gigantesco.

No CCO também estão os profissionais que realizam o DOV, ou despacho operacional de voo. Cuida de detalhes de cada um dos voos, como quantidade de passageiros, peso de bagagens, cargas, definição da rota, condições meteorológicas no trajeto, abastecimento, existência de alertas etc. Essas informações são encaminhadas às autoridades e à tripulação que vai realizar o voo.

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